sábado, 15 de maio de 2010

CONFORT FOOD

Esse texto é uma reprodução retirada do carderno CULTURA do jornal Zero Hora

Comida Afetiva


Pratos simples, com aspecto sofisticado e sabor de comidinha da mamãe são uma tendência na mesa chamada comfort food


Em uma cena do filme “Ratatouille”, um sisudo crítico gastronômico se vê repentina-mente, após a primeira garfada no refogado de legumes, de calças curtas com cerca de seis anos comendo a comida da mãe na cozinha da casa de infância. Pois esse prato que serve de combustível para a viagem nostálgica dentro da própria memória é a mais pura e autêntica comfort food.

Se o filme fosse ambientado no Brasil, o prato em questão, em vez de um ratatouille, um dos mais populares da França, cenário para a animação da Disney, seria um frango caipira temperado com alecrim, um purê de batatas ou um bom feijão. Pois uma das mais modernas tendências gastronômicas está colocando na moda pratos simplinhos e com sabor de comida caseira. Nada de espumas e outras frescuras. O que vai no prato tem sabor de cozinha de avó com uma pitadinha de sofisticação.

E, dizem, essa comida teria poderes que vão muito além da saciedade. Um bolo de chocolate, mais do que um petit gâteau; um pudim de leite, muito mais do que um tiramisu, teriam a capacidade de confortar e amparar. Já conhecida nas grandes cidades brasileiras, a comfort food, ou cozinha de bem-estar ou cozinha afetiva, em traduções livres, devagar está aportando em Santa Catarina. E aqui entre nós: tem algo melhor do que o tempero da mamãe?

O curioso é que nem mesmo as mães pouco afeitas ao universo culinário, sem vontade ou sem talento pro feijão e arroz do dia a dia, conseguem estragar essas lembranças. “Essa geração que reclama por comfort food é uma geração que na verdade não teve comfort food. Fizemos uma pesquisa sobre hábitos alimentares contemporâneos na cidade de São Paulo com jovens de 20 e poucos anos que moram sozinhos e eles só pedem comida de mãe: caseira, simples e gostosa. Quando a gente perguntava sobre as lembranças que esse tipo de comida trazia, muitos respondiam que não tinham nenhuma porque as mães não cozinhavam. Ou seja, eles têm nostalgia de uma coisa que não tiveram”, explica a antropóloga Paula Pinto e Silva.

Não foi à toa que Alex Atala, um dos chefs mais pops no Brasil hoje, ainda que lucrando com o sucesso do restaurante D.O.M., resolveu investir também em outro conceito gastronômico ao abrir as portas do Dalva e Dito, cujo cardápio inclui bife à milanesa e galeto de televisão. Além de prometer agradar corpo e acalentar a alma, outra característica da nova moda é a valorização das culturas locais.

Claro que a cozinha da mamãe traduzida na comfort food ganha toques de modernismo. É prepa-rada com tecnologia e truques só disponíveis nas cozinhas de profissionais e ganha status de alta gastronomia por contada esmerada apresentação. É preparada com alimentos frescos e o carinho de cozinheiros conscien-tes do poder afetivo da comida. “A comfort é uma comida de antigamente, só que mais requintada. É uma releitura de elementos culturais”, explica o chef e pro- fessor do Senac Heiko Grabolle.

E tanta informalidade no prato não poderia conviver com ambientes formais ou luxuosos, certo? Outra característica da tendência “comidinhas” é justamente a casualidade e o conforto dos espaços. São locais pequenos e humanizados, onde você tem o privilégio de ver o chef em ação na finalização dos pratos.
escrito por LAURA COUTINHO

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